O médico brasileiro Leonardo Riella foi o responsável por comandar o primeiro transplante de rim de um porco geneticamente modificado para um humano vivo. O paciente de 62 anos tinha doença renal em estágio terminal, conforme o Hospital Geral de Massachussetts (MGH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, onde o procedimento foi realizado.
"Estamos extremamente contentes com o progresso até agora e vamos entrar na fase de acompanhamento a longo prazo, muito parecido com o que fazemos em qualquer paciente transplantado", disse Riella à Folha.
O monitoramento pela equipe médica terá como objetivo combater eventuais infecções e indícios de rejeição ao novo órgão. A cirurgia, que durou quatro horas, ocorreu em 16 de março. Segundo o hospital, o paciente Richard Slayman está se recuperando bem e deve ter alta em breve.
"Por mais que a gente não saiba quanto tempo o rim vai durar, ele pode servir para manter o paciente saudável até receber um novo órgão humano", diz Riella. Slayman havia recebido um transplante de rim humano no mesmo hospital em 2018, após sete anos em diálise, mas o órgão falhou recentemente e ele teve que retomar o tratamento.
A cirurgia realizada no MGH utilizou o rim de um porco com 69 modificações genéticas fornecido pela empresa eGenesis. Entre as alterações, houve a retirada de genes suínos e adição de genes humanos como o objetivo de minimizar a rejeição pelo sistema imune do paciente. Outras edições buscaram evitar infecções por retrovírus presentes no DNA do porco.
Isso só foi possível graças ao emprego da tecnologia Crispr, ganhadora do prêmio Nobel de Química em 2020. A ferramenta, segundo a geneticista da USP (Universidade de São Paulo) Lygia da Veiga Pereira, permite alterações genéticas extremamente precisas e até 100 vezes mais eficientes que métodos anteriores.
"Com o conhecimento mais aprofundado do que faz uma célula ou órgão ser reconhecido como algo a ser atacado pelo sistema imunológico, essa ferramenta permitiu modificações muito mais ousadas nesses porcos", afirma.
Rins de porco já haviam sido transplantados em pessoas com morte cerebral, mas nunca em um paciente vivo. Em comunicado, a instituição classificou o procedimento como um marco que pode ajudar milhões de pacientes no mundo e potencial solução para a escassez mundial de órgãos.
"Somente no MGH, existem mais de 1.400 pacientes em lista de espera por um transplante de rim. Alguns deles, infelizmente, morrerão ou ficaram doentes demais para passar por uma cirurgia devido ao longo período fazendo diálise", afirma Riella.
"A disponibilidade desses órgãos muda completamente como a gente maneja o transplante renal, contemplando aqueles pacientes que necessitam um novo órgão com mais urgência", acrescenta o cirurgião. "A gente espera que a diálise se torne um tratamento só emergencial e de curta duração."
Conforme o médico, o xenotransplante — quando se transfere órgãos ou tecidos de uma espécie para outra — é estudado há quase 30 anos em animais. Recentemente, macacos que receberam rins suínos foram mantidos vivos por até dois anos após transplante. Os resultados positivos motivaram a equipe a adaptar o experimento para humanos.
Reprodução: Folha Saúde