Nanoknife é alternativa eficaz à cirurgia no tratamento do câncer de próstata

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23/01/2024 17h06

Tecnologia permite tratar alguns tipos de tumor de forma precisa e minimamente invasiva, preservando as funções sexuais e a continência urinária.

O avanço tecnológico na medicina nos últimos anos tem se mostrado particularmente revolucionário na oncologia: desde diagnósticos mais precisos, possibilitados por novos tipos de testes e exames de imagem em alta definição e 3D, até tratamentos inovadores, que buscam maior eficácia e mais qualidade de vida para o paciente — universo que engloba medicina de precisão, evolução da radioterapia e robôs cirúrgicos. No combate ao câncer de próstata, o nanoknife, um tratamento minimamente invasivo, tem garantido maior precisão, menos efeitos colaterais e recuperação mais rápida para pacientes em estágio inicial. E, na maioria das vezes, com apenas uma sessão.

O sistema — também já utilizado para tumores de pâncreas, rim e fígado — tem demonstrado resultados promissores não só por dispensar o tratamento cirúrgico como pela capacidade de preservação das funções sexuais e da continência urinária. “Se trata de uma eletroporação irreversível, que serve para destruir as células cancerígenas”, explica Oskar Kaufmann, uro-oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein. “Inserimos pequenas agulhas em volta do tumor e aplicamos uma corrente elétrica de alta voltagem responsável por criar um tipo de lesão na membrana celular dessas células cancerígenas. E são essas lesões que provocam a morte das células cancerígenas, tratando o tumor.”

A principal diferença entre a nanoknife e a cirurgia robótica, um procedimento já minimamente invasivo e considerado atualmente o padrão-ouro para o câncer de próstata, é que a nova tecnologia não se trata de um procedimento cirúrgico. Realizada a intervenção, o paciente consegue retornar para casa no mesmo dia. Por ser um tratamento focal — tendência que deve ser observada nos próximos anos –, há uma preservação maior dos chamados feixes vásculo-nervosos, responsáveis pela ereção, além de outras estruturas nervosas associadas à ejaculação, segundo Kaufmann.

“Se eu consigo controlar exatamente a área onde eu quero criar essa lesão, eu consigo preservar a estrutura de todos os vasos, tecidos, nervos e órgãos que estiverem ao redor dessa lesão. Isso é uma vantagem imensa, diminui a mortalidade e a morbidade de uma forma que impressiona”, ressalta.

No Brasil, o procedimento foi realizado pela primeira vez há pouco tempo, no final de 2022, no Einstein. Para Kaufmann, pioneiro na realização deste procedimento no Brasil, a parceria com a área de radiologia intervencionista e o intercâmbio de conhecimento com profissionais de países que já utilizam a nanoknife de maneira mais ampla foram fundamentais para trazer a tecnologia para o país: “A comunidade de especialistas treinados para atuar com a nanoknife ainda é muito pequena, então há um apoio muito grande entre esses pares”.

Cirurgia robótica é padrão-ouro

A nanoknife é a mais nova fronteira em um universo em constante expansão. E a busca por avanços nessa área se justifica: o câncer de próstata é o segundo tipo mais incidente na população masculina, atrás apenas dos tumores de pele não melanoma, e também a segunda causa de óbito por câncer nesse público. Uma estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) indica que, para o triênio 2023-2025, serão diagnosticados cerca de 72 mil novos casos por ano. Por isso todas as novas ferramentas são bem-vindas.

Contudo, mesmo com os inúmeros benefícios para o paciente e para o próprio estabelecimento de saúde, a nanoknife não é um procedimento recomendado para todos os pacientes. Os critérios clínicos envolvem o tipo de tumor, o tamanho e se ele está localizado apenas em uma parte da próstata ou não.

“Muitos pacientes chegam ao consultório em busca da nanoknife, mas é preciso avaliar”, relata Arie Carneiro, urologista e coordenador da pós-graduação em cirurgia robótica do Einstein. “Alguns são mais aptos à cirurgia robótica, outros são mais aptos aos tratamentos focais. O que vai determinar isso? Se o tumor é mais agressivo, se ele está em várias partes da próstata. Dependendo do caso, o recomendado ainda é a cirurgia ou a radioterapia.”

A cirurgia robótica começou a ganhar espaço no começo dos anos 2000 e, no Brasil, a primeira cirurgia com essa tecnologia foi realizada em 2008. De lá para cá, os modelos utilizados, as condições que se beneficiam dessa técnica e o próprio custo dos equipamentos evoluíram. Hoje, ela é a primeira linha de tratamento para o câncer de próstata, justamente por ser uma intervenção minimamente invasiva capaz de tratar mesmo casos mais agressivos com prejuízos reduzidos para o paciente. “Ela agregou bastante benefício comparada à cirurgia aberta tradicional. O paciente tem menos sangramento, menos complicações e melhor recuperação”, compara Carneiro.

Novas tecnologias demandarão multidisciplinaridade

Além do sistema nanoknife, Guilherme Mariotti, radiologista intervencionista e coordenador de métodos ablativos do Centro de Intervenção do Einstein, prevê que outras técnicas de terapias ablativas focais, sendo procedimentos conjugados entre a radiologia intervencionista e a urologia, se intensificarão. E como elas abrangem diversas áreas para execução, a multidisciplinaridade será cada vez mais demandada. “A medicina personalizada se baseia nessa multidisciplinaridade, com urologista, oncologista, radioterapeuta, dentre outros. Vamos lançando mão de novas tecnologias e novas especializações, mas sempre com a equipe médica toda envolvida por trás, sendo o que melhorará bastante o desfecho para os pacientes”, afirma.

E em paralelo aos avanços do tratamento, está a evolução dos exames de imagem. Com imagens cada vez mais nítidas, de alta definição e em 3D, se tornou possível localizar com maior precisão todas as estruturas na região não só para um tratamento mais preciso, como também para um diagnóstico mais precoce, com mais informações para o médico definir as linhas de cuidado.

Essa maior visibilidade é benéfica não apenas para o paciente, como também para o próprio sistema de saúde, ao possibilitar que o médico avalie se aquele é um tumor que precisa de tratamento ou não. “No caso de tumores clinicamente insignificantes, muitas vezes eles não vão se manifestar. Se eles forem diagnosticados, às vezes o paciente será submetido a uma cirurgia, uma radioterapia desnecessária, é o que chamamos de sobrediagnóstico e sobretratamento”, aponta Mariotti.

Combate ao estigma

Além de aprimorar o diagnóstico e o tratamento, o exame de imagem também ajuda a combater o estigma em torno do exame do toque retal, um desafio cultural que ainda impacta a chegada dos pacientes ao consultório para o exame de rotina – recomendado a partir dos 50 anos para aqueles sem sintomas ou histórico familiar, e dos 45 para aqueles que têm histórico na família.

“Temos dois fatores importantes quando falamos em diagnóstico precoce: a própria cultura de prevenção e o tabu com o exame de próstata. Hoje, os homens estão adotando uma atitude de prevenção maior, que antes só víamos na população feminina. E eles também estão começando a amadurecer essa ideia da importância do rastreamento, da necessidade de fazer esse exame”, aponta Carneiro.

Ele ressalta que, quanto mais precoce for diagnosticado o câncer de próstata, “mais alternativa existe para um tratamento minimamente invasivo, mais chances de ele não só ser curado, mas de fazer isso sem perder a potência sexual e a continência urinária.”

Por isso, os olhares estão voltados para uma maior compreensão da biologia dos tumores de próstata, assim como já aconteceu com o câncer de mama – um desafio devido à heterogeneidade do câncer de próstata. “O foco é caminhar para uma medicina personalizada no câncer de próstata, assim como temos visto em outras doenças, além de desenvolver cada vez mais essas técnicas minimamente invasivas, que podem curar o paciente sem impactar na qualidade de vida. Esse é um dos principais desafios”, diz Carneiro.

Ampliação do acesso da nanoknife

Outro desafio envolve também o acesso. A nanokinfe já foi aprovada pela Anvisa, mas ainda não foi incorporada no SUS e nem no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Estudos já comprovaram o custo-efetividade da tecnologia, como o publicado no britânico Journal of Medical Economics, que comparou a técnica com a prostatectomia radical e concluiu que a primeira tinha taxa maior de anos de vida ajustado pela qualidade (QALY) e um menor custo global.

Em dezembro do ano passado, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) recomendou a implementação da ablação no tratamento do câncer de cólon e reto com metástase hepática irressecável ou ressecável com alto risco cirúrgico, mas ainda não há previsão para o mesmo acontecer para o câncer de próstata.

“Hoje, o procedimento ainda não está no rol da ANS, então os custos ficam por conta do paciente, dificultando o acesso. A nossa ideia aqui no hospital é fazer de tudo para expandir essa tecnologia, para que mais pessoas tenham acesso”, revela Kaufmann. “É uma questão de tempo até que isso entre no rol e até que os próprios serviços públicos comecem a enxergar o benefício dessa técnica, principalmente por não haver necessidade de internação e ainda reduzir custos relacionados a efeitos colaterais da doença, seus tratamentos e mortalidade. Estamos caminhando para a desospitalização da medicina.”

Texto: Futuro da Saúde

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